“Menina, levanta-te”

“Menina, levanta-te” é uma expressão forte, vinda do coração que é fonte do amor maior, capaz de resgatar os que se perderam, curar feridas da alma e colocar de pé quem é derrubado pelas circunstâncias da vida. “Menina, levanta-te” é a palavra restauradora pronunciada na casa de Jairo, o pai aflito e zeloso por sua filha. Um zelo exemplar que o impulsiona a buscar o alicerce que recompõe a vida ferida, na história de cada pessoa, pelos descompassos da humanidade. O pai amoroso foi ao encontro de Jesus, à beira-mar, rodeado por uma grande multidão. Vendo o Mestre, caiu-lhe aos pés. Apresentou-lhe, confiante, sua súplica: “Minha filhinha está nas últimas. Vem, impõe as mãos sobre ela para que fique curada e viva!”. A vida de cada filho e filha é a razão maior do amor de Deus. Por isso, Deus oferece o seu filho único amado para a salvação da humanidade.  A oferta de Jesus é sacrifício redentor e restaurador do ser humano, constituindo fonte que lava as chagas de cada pessoa, curando-as. Purifica a humanidade do pecado, devolvendo-lhe a inteireza perdida. É prova incontestável que existe um caminho libertador.

Jesus foi acompanhando Jairo – nome que significa “ele brilha”. Nos olhos desse pai, que zela por sua filha, brilha a luz do cuidado. Essa luminosidade o engaja no esforço para conquistar o bem perdido, proteger a vida ameaçada em sua inteireza. Jairo, um coração que, exemplarmente, resplandece o sentido de que o outro é o mais importante e a certeza de que há uma fonte capaz de curar o ser humano. Jesus o acompanhou, ladeado por uma multidão carente do banho dessa luz resplandecente de Jairo. Carente também de confiança na fonte que lava e cura feridas, ergue os decaídos e devolve a integridade necessária para a vida desabrochar-se. A caminho da casa de Jairo – o chefe da Sinagoga – emissários chegam com a impactante notícia: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodas o Mestre?” Deus ouve tudo: tem os ouvidos do amor, sensíveis aos clamores dos pobres e sofredores. Ele se comove e se move até cada pessoa. Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da Sinagoga: “Não tenhas medo, somente crê”.

Entre lamúrias e choro, Jesus entra na casa. Pergunta sobre as razões de tanta agitação e assegura que a menina não havia morrido, apenas dormia. Muitos zombaram Dele. Acontece de se zombar da vida quando se desconsidera a sua sacralidade, perdendo o horizonte que permite reconhecer a grandeza do sentido de viver. Jesus toma consigo, além de alguns discípulos, o pai e a mãe da menina. Entra no lugar onde a criança se encontrava e segura a sua mão. O Mestre diz: “Menina, levanta-te”. A menina o obedece. Levanta-se e começa a andar. O acontecido provoca êxtase e admiração. Brilha de novo a vida e dissipa-se a escuridão. Regenera-se o broto da esperança. O que parecia perdido é retomado e a vida pôde novamente florescer.

Ecoe, menina, no seu coração a força amorosa desta palavra: “Levanta-te!”. Caída sob o peso das adversidades, vai levantar-te exemplarmente para todos os seres humanos. Levantar-te para percorrer seu caminho, desabrochando seus sonhos e edificando a beleza de uma vida que se refaz. Seu viver perpetue um grito-convocação direcionado à sociedade, interpelando-a a cumprir sua missão: resgatar as vítimas, curar os feridos e garantir as necessárias condições para que seja edificada a vida em sua plenitude.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Vidas e vozes: aprendizes

Da vida todos somos aprendizes, pois a riqueza e o sentido do viver não permitem simplismos. Enquanto dom e tarefa, a vida é mistério. Por isso mesmo, não cabe nos limites de legislações, ultrapassa considerações políticas, não havendo abordagem confessional em que se encerre. Impossível esgotar-lhe o sentido, por mais completa que seja a narrativa.  E o seu entendimento exige peregrinar às suas raízes, a seus sentidos, aos alicerces.

A vida é mistério, pelas profundezas de suas origens, e fonte, pela profundidade de sentido. Na sua maestria, Jesus a coloca como meta de sua missão, ao dizer: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, conferindo-lhe sacralidade e constituindo a misericórdia como o parâmetro mais alto de seu adequado tratamento. Assim, institui e eleva, para os que n’Ele creem, o valor incomparável da pessoa humana. A vida é, pois, dom que se estende para além das circunstâncias da existência terrena, porque consiste na participação da própria vida em Deus. E a sublimidade própria da vida de cada pessoa revela a grandeza e o valor precioso da vida de toda a humanidade.

O evangelho da vida acena com a condição de aprendizes a todos os que têm a vida como dom e tarefa. Sua preciosidade se manifesta, de modo completo, na encarnação do filho de Deus, ao aceitar a morte na cruz, pelo resgate de todos. Firma-se, assim, entre Deus e a humanidade, o compromisso inarredável de defender a vida de todas as ameaças, em todas as suas etapas. Compromisso que deve se fortalecer neste tempo de impressionante multiplicação e agravamento das ameaças à vida humana, a nações inteiras, particularmente aos indefesos e vulneráveis. São muitas as chagas expostas que atentam contra a vida, a exemplo da fome, da miséria, das epidemias, das guerras, de feridas com modalidades inéditas e inquietantes.  Crescem as formas aviltantes de violências. Frutos de preconceitos e racismos, ferem particularmente os mais fragilizados e os excluídos, apontando a urgência de se rever as legislações no sentido de impedir que se chegue a absurdos ainda maiores. O panorama dos diferentes atentados à vida desafia a sociedade contemporânea a encontrar novas respostas e a confeccionar um tecido consistente, capaz de operar as mudanças necessárias nos vergonhosos cenários marcados pelos extermínios, pela eliminação de vidas.

O desafio é posicionar-se ante todos esses atentados, ante um contexto cultural que confere aos crimes contra a vida aspectos inéditos e iníquos. A partir das graves preocupações advindas da própria opinião pública, tenta-se justificar a liberdade individual de escolhas e procedimentos que atentam contra a sacralidade da vida. O desafio se torna ainda maior quando se constatam profundas alterações na maneira de considerar a vida, a vida de todos, e as relações entre as pessoas. Há, pois, nítido processo de afastamento dos princípios basilares, como causa de uma derrocada moral, dificultando o necessário retorno às fontes de inspiração e de clarividência em torno da sacralidade das vidas todas. E sem referências e princípios, as abordagens ocorrem no burburinho de vozes da turba. Compromete-se, assim, a qualidade do que se escolhe, do que se legisla, do que se sente, e as  consequências são notórias: a vida passa a ser tratada por alas, por interesses, por disputas e até pelo oportunismos de se fazer reconhecido; por interesses político-partidários, além das razões extremistas e fundamentalistas – todas distanciadas do inegociável.

As vozes se tornam opiniões próprias, de lugares hermenêuticos contaminados, com dificuldade de se perceber qual é o verdadeiro sentido, por não se saber retornar à fonte. Também por falta de traquejo de lidar com princípios, nota-se um silêncio sepulcral e omisso. Muitos não dizem nada por receio, porque se promovem em meio às vozes. Tudo se reduz a uma formulação prosaica. São muitas vozes e muitas contradições: a voz em defesa de algo ou de alguém é a voz que ao mesmo tempo pisa a honra e fere a dignidade do outro, com o descalabro interesseiro de anatematizar um e canonizar outro. Anatematiza quem parece ser uma voz diferente, desconhecendo sua compreensão e desconsiderando uma vida de feitos e comprometimentos. Canoniza até mesmo quem ainda é neófito, inexperiente, e apresenta argumentos equivocados.

Do mesmo modo que a fé se torna estéril, quando não consegue ser uma experiência de testemunho transformador, esterilidades se perpetram em vozes cujos sons não ecoam o que, cotidianamente, tem que se buscar na fonte-princípio. Os pitagóricos diziam que o princípio é a metade do todo. Se falta esta primeira metade, na tarefa de construção de um novo tecido social, cultural e político, com resultados efetivos sobre leis, costumes e estilos de vida, faltará a base para a segunda metade. Vozes serão muitas, como neste tempo de um coro dissonante, que exige dos aprendizes investimento em harmonias. E, assim, participem do coro dos lúcidos, cada vez mais, vozes coerentes e propositivas, capazes de imprimir as grandes mudanças neste tempo que precisa ser urgentemente novo para se promover e salvar vidas.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Consenso e disceptação

Dinâmicas que envolvem a disceptação e o consenso marcam o caminho da humanidade – são indissociáveis nas relações institucionais e interpessoais. É preciso, pois, ter a sabedoria para arquitetar o consenso administrando as divergências. A disceptação sinaliza a arte da convivência com diferenças e diversidades, uma característica das sociedades complexas neste mundo contemporâneo. A divergência, enquanto fenômeno social, é indispensável, inclusive para superar as dissensões.  Por isso, ao arquitetar consensos é fundamental suportar o confronto de posicionamentos que podem ser até opostos.  Importante lembrar: para se chegar ao entendimento, deve haver fidelidade a valores intocáveis, a exemplo do necessário respeito a quem tem perspectiva divergente.

Renunciar à disceptação, em qualquer processo de escolha, decisão ou definição é um equívoco. O consenso não é sinônimo de unanimidade e menos ainda de uniformização. Ao invés disso, trata-se da articulação das diferenças, gerando uma riqueza a partir da administração inteligente e respeitosa de confrontos. Assim deve ocorrer no ambiente acadêmico, nas articulações políticas, na configuração hermenêutica da prática judiciária, nos contextos religiosos e até mesmo no ambiente doméstico. A disceptação, é oportuno lembrar, se fez presente no início do cristianismo e gerou a primeira assembleia da Igreja, narrada pelo evangelista Lucas nos Atos dos Apóstolos. Nessa assembleia, se construiu um consenso que determinou rumos novos na expansão do cristianismo nascente. Também é importante se recordar do apóstolo Paulo que, no areópago de Atenas, estabeleceu um confronto com seus interlocutores para levá-los a novos entendimentos. A meta era conduzi-los rumo à compreensão mais enriquecida a respeito da religiosidade.

Consensos nascem de articulada administração dos confrontos de opiniões, ideias e compreensões. Assim são estabelecidos os tratados de paz, elaboradas as cartas magnas constitucionais, definidas legislações e prioridades, reconfigurados costumes e hábitos. Não menos complexos são os embates inerentes ao exercício da cidadania e da vivência da fé. Uma sociedade participativa e democrática só se sustenta pela prática dos confrontos de opiniões com o objetivo de buscar convergência para formar o consenso. O respeito a princípios intocáveis e a reverência a valores inegociáveis constituem regra de ouro nesse processo. Esses princípios e valores têm força para não deixar ruir a arquitetura dos entendimentos.

Sabe-se do grande risco que se corre, na administração de confrontos, quando prevalece a rigidez. A rigidez revela falta de equilíbrio emocional para lidar com embates e discordâncias. A contemporaneidade, em contraposição aos avanços tecnológicos e científicos, tem sido palco de intolerâncias e de polarizações até patológicas em razão da rigidez. Isso se revela na incapacidade para o diálogo, que exige o respeito às diferenças e a busca pela harmonia, condições necessárias à construção de entendimentos. Não se estabelece consensos sem discordâncias – e não se administra a disceptação sem reconhecer e respeitar as divergências.

Pode até ser mais cômodo partidarizar-se, se fixar em determinado extremo, do que criticamente posicionar-se diante de tema importante. Mas os resultados serão sempre comprometidos, pois é atitude que estimula a intolerância e revela pouca competência para discernimentos. Sociedades, instituições ou grupos que não investirem na competência humana e espiritual para suportar confrontos e se enriquecer a partir das divergências perderão força. Pela fraqueza de seus integrantes, permanecerão incapazes de curar suas feridas, livrar-se de suas evidentes fragilidades e encontrar respostas adequadas para seus desafios.  O consenso nunca será fruto do pensamento uniformizador, mas do diálogo em busca da verdade. É hora de superar a incompetência para lidar com confrontos, caminho para se alcançar consensos.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Inteligência do coração

Paira no ar a interrogação sobre o nascimento de uma nova época. Isso porque se vive um tempo de mudanças e de muitas crises – algumas antigas, outras mais recentes, a exemplo desta pandemia da covid-19. De fato, pode estar nascendo um novo ciclo, com transformações locais e globais. É preciso, pois, viver adequadamente este tempo, para que não se percam oportunidades. Os diferentes acontecimentos que afetam o planeta exigem da humanidade superar estreitas mentalidades e equivocadas visões sobre o mundo. Não se pode perder a chance de conduzir o planeta em novos trilhos: a vida é permanentemente ameaçada pelas incompetências humanísticas.

São urgentes os investimentos que capacitem, com maior velocidade, agentes para atuar na condução de diferentes processos, superando práticas e ações já antiquadas, inclusive nos contextos da política e da religiosidade. É necessário se adequar para estar em sintonia e oferecer respostas às muitas exigências e necessidades do mundo atual. Por isso mesmo, é preocupante o risco de se transitar na contramão do caminho que leva a um futuro melhor. Há uma tendência a repetições e rigidez, sustentadas por motivações injustificáveis neste momento crucial da humanidade. Vale investir em novos critérios de leitura e análise da realidade, com incidências na definição de metas – pessoais e institucionais – para que sejam efetivados os avanços possíveis nesta etapa da história. No processo de definição desses novos critérios para se relacionar com o mundo, oportuno é ter em vista uma contundente constatação do Papa Francisco: o risco demolidor da “autorreferencialidade”.

Pessoas autorreferenciais sofrem de miopias, não conseguem enxergar nem mesmo o que é evidente.  São incapazes de reconhecer a realidade e, por isso, levam os contextos institucionais a prejuízos. No exercício de suas funções, essas pessoas dedicam-se a manipular instituições equivocadamente, incapacitando-as para o adequado serviço à sociedade. A promoção de serviços nos contextos social, cultural e político deixa de ser a meta principal. São indivíduos que buscam usufruir da instituição, egoisticamente. Setores religiosos, educacionais, empresariais e outros segmentos correm o risco desastroso de serem contaminados pelo mal da autorreferencialidade, com danos que repercutem na dimensão global da sociedade. Também prejudicial na condução de processos, com efeitos deletérios, é um tipo de intelectualismo que se apresenta como hegemônico, mas não consegue ir além de simples repetição ou da formulação de conceitos, sem propor algo novo. No conjunto de disjunções que incidem sobre a humanidade, constata-se, pois, uma necessidade urgente: investir na inteligência do coração.

O mundo com suas transformações e acontecimentos complexos exige do ser humano novas intuições, emolduradas a partir de análises consistentes. Assim é possível escrever nova página na história com respostas às demandas da humanidade. Existem muitas reflexões propostas por diferentes áreas do saber, mas ainda há certo distanciamento de um núcleo capaz de fecundar intuições: a inteligência do coração. A indiferença em relação ao sofrimento do próximo, que é irmão, a frieza nas relações, a mesquinhez que se revela no apego aos esquemas e às comodidades, são sinais do distanciamento dessa rica fonte de intuições.

A inteligência do coração chama-se compaixão. Ela alimenta a solidariedade, ilumina o olhar que sempre alcança o pobre, sensibiliza a intuição e permite escolher o que é bom para todos. Uma virtude que possibilita descobrir lógicas para além dos cálculos. Oportuno lembrar uma passagem evangélica, quando Jesus, arrodeado por multidão, depois de ter feito milagres, agiu em contraposição ao modo de pensar dos seus discípulos. Os mais próximos de Jesus, vendo que as muitas pessoas ali reunidas estavam com fome e sem ter grande quantidade de alimento para distribuir, sugeriram ao Mestre que era necessário dispersá-las.  Jesus, sem ainda realizar o milagre da multiplicação de pães, a partir de seu coração, interpelou seus discípulos com um pedido, convocando-os e a cada pessoa para o exercício da solidariedade: “Sinto compaixão desse povo… dai-lhes vós mesmos de comer.”

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Desconexões e lutos

As sinapses cerebrais são calculadas a partir de números semelhantes ao de conexões em galáxias. É, certamente, uma quantidade difícil de ser mensurada. Mas é preciso considerar a importância das conexões cerebrais e de tantas outras relacionadas ao contexto social. Elas são indispensáveis para se alcançar metas que garantam uma vida saudável. A falta de conexão, ou a desconexão, gera prejuízos, que podem ser irreversíveis. No horizonte desafiador das conexões é que se compreende, também, o alcance da afirmação fundamental e determinante advinda do âmbito da ecologia integral: tudo está interligado, isto é, em sistema de conexões. Compreende-se, assim, que desconexões promovem disfunções, conforme revelam diferentes descalabros ambientais, provocados, por exemplo, pela mineração extrativista, com indiscriminada exploração dos recursos naturais. A covid-19 e tantas outras pandemias resultam de desconexões.

O Papa Francisco lembra, na Carta Encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado com a casa comum: há um clamor da Terra, nossa irmã, na afirmação de São Francisco de Assis, contra o mal que lhe é provocado, de maneira irresponsável, com a abusiva apropriação de seus bens, dons de Deus. As desconexões ambientais têm provocado agressões ao meio ambiente, uma questão ainda tratada inadequadamente pela legislação brasileira. A humanidade cresceu pensando ser a “dona do mundo”, com autoridade e direito para saquear a Criação. Trata-se de uma séria desconexão humanitária que precisa ser, pedagógica e disciplinarmente, corrigida por legislações mais rigorosas. Mas há falta de coragem e de lucidez para promover avanços legislativos. Prevalecem a conivência, o “levar vantagens” pecuniárias ou eleitorais, a partir do sacrifício vergonhoso do meio ambiente. Manifestação lamentável da violência que toma conta do coração humano, ferido pelo pecado.

Ao se calcular, amargamente, as desastrosas consequências da covid-19, há de se remontar ao nascedouro de desconexões muito graves, comprovando o nível de loucura de uma sociedade, refletido em seus dirigentes e cidadãos. Colapsos nas sinapses cerebrais talvez expliquem tantos desvarios que precisam ser contidos com a lei, com procedimentos educativos e terapêuticos para evitar que a sociedade se precipite no caos. Oportuna é a referência, entre outras existentes, ao projeto “Amazoniza-te”, uma escola que oferece a possibilidade para aprendizagens. E entre as lições a serem aprendidas estão o exercício da solidariedade, reconhecer a importância do próximo, que é irmão, cultivar sensibilidade ambiental, com incidências na ação social e política, a partir de qualificado humanismo e do diálogo com diferentes culturas.

É preciso afrontar síndromes de desconexões, fazer crescer o “coro dos lúcidos”, nas instituições e segmentos da sociedade. Isto significa investir em quem está com seus sistemas de sinapse cerebral funcionando adequadamente. É preocupante constatar o crescimento de fundamentalismos e polarizações que alimentam descasos em campos imprescindíveis para todas as sociedades: saúde, educação, democracia e dignidade humana. O dom da lucidez inclui equilíbrio emocional, a competência para a gestão de processos, sendo condição fundamental para bem conduzir o destino de uma nação e preservar valores que devem ser intocáveis. Constata-se, pois, que instituições governamentais e segmentos da sociedade não podem permanecer inertes diante da necessidade de se mudar rumos. É preocupante e doloroso perceber, por exemplo, a velocidade com que se aproxima a marca dos cem mil mortos pela covid-19 no Brasil – cada vez mais uma nação enlutada.

Esse luto crescente atesta as incompetências em âmbitos decisivos da gestão governamental, nos diferentes níveis. Nesses cenários de desconexões e lutos, o “coro dos lúcidos” precisa ser encorpado e qualificado pela profecia cristã, com força de produzir conexões, sem medo, sem delongas e sem parcialidades. Assim é possível ajudar a eliminar as causas estruturais das disfunções políticas e econômicas, superar modelos de desenvolvimento incapazes de respeitar o meio ambiente, a dignidade da pessoa humana, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.   O luto que cobre a sociedade brasileira convoca os cristãos: ao invés de perder tempo com discussões inócuas, devem, cada vez mais, trabalhar na promoção da justiça, abrindo novos caminhos para a sociedade brasileira.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Correção fraterna

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho deste Domingo (cf. Mt 18, 15-20) é tirado do quarto discurso de Jesus na narração de Mateus, conhecido como sermão “comunitário” ou “eclesial”. O trecho de hoje fala de correção fraterna, e convida-nos a refletir sobre a dupla dimensão da existência cristã: a dimensão comunitária, que exige a tutela da comunhão, ou seja, da unidade da Igreja, e a dimensão pessoal, que requer atenção e respeito por cada consciência individual.

Para corrigir o irmão que cometeu um erro, Jesus sugere uma pedagogia de recuperação. E a pedagogia de Jesus é sempre uma pedagogia de recuperação; Ele procura sempre recuperar, salvar. E esta pedagogia da recuperação articula-se em três etapas. Primeiro diz: «repreende-o a sós» (v. 15), ou seja, não ponhas o seu pecado na praça. É uma questão de se dirigir ao irmão com discrição, não para o julgar, mas para o ajudar a dar-se conta do que fez. Quantas vezes já fizemos esta experiência: alguém vem e diz-nos: “Mas, ouve, erraste nisto. Devias mudar um pouco naquilo”. Talvez no início nos zanguemos, mas depois agradecemos, porque é um gesto de fraternidade, de comunhão, de ajuda, de recuperação.

E não é fácil pôr em prática este ensinamento de Jesus, por várias razões. Há o receio de que o irmão ou irmã reaja mal; por vezes não se tem muita confidência com ele ou com ela… Eoutros motivos. Mas todas as vezes que o fizemos, sentimos que era precisamente o caminho do Senhor.

No entanto, pode acontecer que, apesar das minhas boas intenções, a primeira intervenção falhe. Neste caso, é bom não desistir e dizer: “Mas que se desenrasque, eu lavo as mãos”. Não, isso não é cristão. Não desistas, mas recorre ao apoio de algum outro irmão ou irmã. Jesus diz: «Se não der ouvidos, toma contigo ainda uma ou duas pessoas, para que toda a questão  fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas» (v. 16). Este é um preceito da Lei Moisaica (cf. Dt 19, 15). Embora possa parecer contra o acusado, na realidade serviu para o proteger de falsos acusadores. Mas Jesus vai mais longe: as duas testemunhas são obrigadas a não acusar nem julgar, mas a ajudar. “Mas vamos concordar, tu e eu, vamos falar com este, com este que está a cometer um erro, que está a fazer má figura. Vamos como irmãos e falemos com ele”. Esta é a atitude de recuperação que Jesus quer de nós.Jesus, de facto, calcula que esta abordagem- a segunda abordagem  com testemunhas também possa falhar, ao contrário da Lei Moisaica, para a qual o testemunho de dois ou três é suficiente para a condenação.

Na verdade, mesmo o amor de dois ou três irmãos pode ser insuficiente, porque este ou esta são teimosos. Neste caso – acrescenta Jesus -, «comunica-o à Igreja» (v. 17), ou seja, à comunidade. Em algumas situações, toda a comunidade está envolvida. Há coisas que não podem deixar os outros irmãos indiferentes: é necessário um amor maior para recuperar o irmão. Mas por vezes até isto pode não ser suficiente. Jesus diz: «E se ele se recusar a atender à própria Igreja seja para ti como um pagão ou um publicano» (ibidem). Esta expressão, aparentemente tão desdenhosa, convida-nos de facto a reconduzir o irmão para as mãos de Deus: só o Pai poderá demonstrar um amor maior do que o de todos os irmãos juntos. Este ensinamento de Jesus ajuda-nos muito, porque – pensemos num exemplo – quando vemos um erro, um defeito, um deslize, naquele irmão ou irmã, geralmente a primeira coisa que fazemos é ir e dizer aos outros, para coscuvilhar. E a tagarelice fecha o coração à comunidade, fecha a unidade da Igreja. O grande bisbilhoteiro é o diabo, que está sempre a dizer coisas negativas dos outros, porque é o mentiroso que procura desunir a Igreja, para afastar os irmãos e não fazer comunidade. Por favor, irmãos e irmãs, façamos um esforço para não bisbilhotar. Tagarelar é uma peste pior que a Covid! Vamos fazer um esforço: nenhuma conversa fiada. É o amor de Jesus, que acolheu publicanos e pagãos, escandalizando as pessoas bem-pensantes da época. Não se trata portanto de uma condenação sem apelo, mas do reconhecimento de que por vezes as nossas tentativas humanas podem falhar, e que só estando diante de Deus é possível pôr o irmão perante a sua consciência e a responsabilidade pelas suas ações. Se isto não correr bem, silêncio e oração pelo irmão e irmã que estão errados, mas nunca a tagarelice.

Que a Virgem Maria nos ajude a fazer da correção fraterna um hábito saudável, para que nas nossas comunidades possam sempre ser estabelecidas novas relações fraternas, baseadas no perdão mútuo e sobretudo no poder invencível da misericórdia de Deus.

Angelus – 6 de setembro de 2020.

ORIENTAÇÕES DA IGREJA PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

O arcebispo dom Walmor Oliveira de Azevedo e os bispos auxiliares da Arquidiocese de Belo Horizonte – dom Joaquim Mol, dom Geovane Luís e dom Vicente Ferreira – publicaram texto com orientações aos fiéis para as Eleições Municipais 2020.

No texto, o Arcebispo e os Bispos Auxiliares pedem que os fiéis levem para o processo eleitoral “as marcas distintivas do cristão: o amor, a fé e a esperança.”

Leia a mensagem completa.

ORIENTAÇÕES PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020

Amadas e amados de Deus,

1. Aproximam-se as eleições municipais deste ano, realizadas em meio à mais grave crise sanitária dos últimos tempos. No Brasil, mais de cem mil pessoas já perderam a vida, o que causa grande consternação a todos nós. Unimo-nos, em orações e solidariedade, aos familiares e a todos aqueles irmãos e irmãs que sofrem com a perda de seus entes queridos.

2. À dor da morte acrescenta-se o temor ante os prejuízos e privações que ameaçam nossa segurança. Por isso, ao mesmo tempo em que erguemos aos céus o nosso olhar esperançoso, mantemos também nosso compromisso de obedecer à Palavra Divina que nos ordena socorrer os que se encontram mais desvalidos; combater o opressor garantindo o direito do oprimido e fazer justiça aos desamparados (Cf. Is 1,11-18).

3. A gravidade do momento atual requer que mantenhamos, nestas eleições, as marcas distintivas do cristão: o amor, a fé e a esperança. Não podemos nos eximir de um efetivo exercício da caridade, com moderação e serenidade de palavras e de atitudes. Não é ação cristã aquela que conclama à violência e à discórdia, mas sim aquela que produz a paz.

4. Como ensinou o papa Bento XVI, os cristãos, “conscientes de sua responsabilidade na vida pública, devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças”. A Igreja não substitui e nem se identifica com os políticos ou com os interesses dos partidos, mas não pode se eximir de sua vocação primordial de se apresentar como incansável “advogada da justiça e dos pobres”.

5. Esse princípio deve se concretizar no indispensável compromisso de mulheres e homens cristãos com o respeito às leis, com a lealdade na disputa eleitoral e o apreço incondicional às regras da democracia. Para os católicos que pretendem disputar as eleições como candidatos, é sempre importante lembrar das palavras do papa Francisco, segundo as quais “a política não é a mera arte de administrar o poder, os recursos ou as crises. A política é uma vocação de serviço.” Sendo assim, nossa participação, inspirada nos princípios aqui mencionados, deve observar os seguintes aspectos:

COMPROMISSO DOS CANDIDATOS COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS

6. A participação política vai muito além do voto no dia da eleição. É fundamental, porém, que até mesmo esse ato de escolher um candidato seja orientado pelos valores inspirados pela Palavra de Deus. Como ensina o Evangelho, “uma árvore é conhecida por seu próprio fruto” (Lc 6,44). Esse é o critério a partir do qual podemos escolher um candidato: não segue a Palavra de Deus o candidato que, em sua trajetória pessoal, não se mostra comprometido com a promoção de uma ecologia integral, com o bem comum e com a proteção dos pobres e excluídos.

7. Nestas eleições municipais, ganham particular relevância as propostas para sanar o enorme déficit habitacional que deixa, em nossas cidades, milhares de cidadãos sem direito a um teto. Precisamos estar atentos à acolhida e à inclusão das pessoas que, em crescente número, passam a morar nas ruas de nossas cidades. Também necessitamos, urgentemente, de políticas públicas que melhorem as condições de vida em aglomerados e nas comunidades mais pobres.

8. Os prefeitos e vereadores eleitos têm o dever de contribuir com ações melhores e mais eficazes no campo da saúde, da educação, da segurança, do transporte e do direito à alimentação. Darão bons frutos os políticos que priorizarem o bem comum e a vida dos cidadãos. Ao contrário, geram a morte aqueles que fazem da violência e da extinção de políticas públicas a sua plataforma de propostas. Não pode produzir bons resultados o político que faz campanha eleitoral defendendo o recurso às armas, o uso da violência, que não se compromete com os excluídos e que, diante da morte de pessoas e das graves feridas do meio ambiente, se mostra indiferente. Não deve merecer o voto de bons cidadãos e cidadãs aqueles candidatos que só fazem compromissos “genéricos”, sem dizer o que farão concretamente e se o que farão é de fato atribuição sua.

PASTORAIS E MOVIMENTOS DEVEM FAVORECER O CONHECIMENTO DOS CANDIDATOS E DE SUAS PROPOSTAS

9. É fundamental conhecer a fundo as ideias que um candidato ou candidata defende e as políticas públicas que ele se propõe a apoiar e implantar. Candidato sem proposta de políticas públicas é candidato sem proposta alguma. É igualmente necessário saber se as ideias e propostas apresentadas durante a campanha são coerentes com suas trajetórias de vida.

10. Neste ano, a campanha eleitoral direta estará bastante prejudicada, devido ao necessário distanciamento social imposto pela pandemia. Portanto, é muito importante que as pastorais e os movimentos organizados na Igreja estimulem e favoreçam a participação em eventos por meio da internet, de modo a facilitar a divulgação de candidatos que atendam aos princípios aqui descritos. Também devem atuar na fiscalização, denunciando à Justiça Eleitoral eventuais abusos cometidos por candidatos(as) ou partidos. Dentro dos limites expostos, deve ser dada aos leigos e leigas, candidatos em nossas comunidades e paróquias, a oportunidade de organizar e congregar grupos virtuais.

CUIDADO COM AS NOTÍCIAS FRAUDULENTAS E O MAU USO DAS REDES DIGITAIS

11. A experiência das últimas eleições – tanto no Brasil como em outras nações – tem demonstrado que é necessário ter um especial cuidado com o efeito nefasto do uso antiético das redes sociais digitais. A má utilização das redes sociais é uma ameaça real e perigosa, na medida em que permite enganar e induzir os cidadãos. O próprio Senhor nos ensina que o diabo é o pai da mentira (Jo 8, 44) e que quem dela se serve não pode provir de Deus.

12. A difusão de notícias fraudulentas (as chamadas fake news) exige, contudo, um cuidado ainda maior. Não é apenas nas redes sociais que elas se espalham. A imprensa exerce um papel inestimável na preservação da democracia. Deve-se, contudo, ter presente que uma agência de notícias tem seus próprios interesses. Daí a atenção necessária de não aceitar prontamente uma informação como verdadeira, sem antes haver se informado e estudado sobre o assunto.

13. Acima de tudo, não devemos compartilhar notícias espetaculosas. Cada um de nós deve assumir a responsabilidade de interromper a rede de mentiras e de difamação. Desconfiar daquelas informações que parecem exageradas e improváveis; buscar alternativas e comparar uma mesma notícia em mais de uma fonte tornam-se hábitos muito importantes para não nos deixarmos enganar.

PARTICIPAÇÃO DE LEIGOS NA CAMPANHA ELEITORAL

14. Leigos e leigas de nossas comunidades que se candidatarem para as eleições, desde que para atuarem pelo bem comum e em favor dos mais pobres, com propostas concretas de políticas públicas, poderão permanecer em suas funções ministeriais e pastorais, mas não devem fazer, de seu serviço na Igreja, um espaço de propaganda eleitoral. Portanto, não devem portar, em funções litúrgicas, quando for o caso, nem vestes, nem outros objetos de propaganda. Também não devem ser impedidos de continuar sua participação e serviços nas comunidades, o que seria contraditório ao incentivo que a Igreja faz a que, leigos e leigas, entrem no mundo da política.

PARTICIPAÇÃO DOS BISPOS, PADRES E DIÁCONOS NA CAMPANHA ELEITORAL

15. Em respeito à nossa missão de ministros ordenados da Igreja e pelos balizamentos canônicos que não nos permitem envolvimento partidário, está terminantemente proibido o uso de fotos, textos e imagens do arcebispo metropolitano, dos bispos auxiliares, vigários episcopais, padres e diáconos permanentes e transitórios em material de propaganda eleitoral. Também não é permitida a propaganda eleitoral contendo publicidade partidária ou de candidatos nos eventos da Arquidiocese, nas celebrações litúrgicas e nos locais de culto das paróquias católicas.

CAMPANHA DE FORMAÇÃO POLÍTICA DURANTE O PERÍODO ELEITORAL

16. Como é nosso costume em anos eleitorais, o Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp), instituição da Arquidiocese de Belo Horizonte, realizará, a partir deste mês de setembro, uma campanha de estímulo à discussão política. Neste ano, ela traz o mote “Eleições 2020: porque é na cidade que a gente vive”. Consiste de uma série de vídeos formativos breves que poderão ser veiculados nas redes sociais da Arquidiocese (www.arquidiocesebh.org.br) , da PUC (www.facebook.com/pucminasoficial) e do próprio Nesp (www.nesp.pucminas.br), além da divulgação em canais de televisão católicos.

17. Também há outras informações e materiais adicionais sobre a campanha no site do Nesp, produzidos em parceria com o Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), o Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara (Cefep) e a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP).

18. Guiada por esses princípios, a Igreja Católica, na Arquidiocese de Belo Horizonte, exorta aos cristãos leigos e leigas para que participem ativamente no processo eleitoral. Precisamos melhorar muito a qualidade das pessoas que ocupam lugares nas câmaras de vereadores e nas prefeituras. Isso depende de todos nós, eleitores e eleitoras. A sociedade mais justa e solidária que desejamos só pode ser alcançada se expressarmos uma verdadeira adesão aos valores do Evangelho em ações políticas.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Bispo Auxiliar

Dom Geovane Luís da Silva
Bispo Auxiliar

Dom Vicente de Paula Ferreira
Bispo Auxiliar

Arquidiocese de Belo Horizonte

O Domingo Cristão

Infelizmente, a grande maioria dos cristãos desconhece o significado do Dia do Senhor, o chamado Domingo. Pois bem, aproveitando ainda o tempo pascal, é conveniente uma reflexão sobre o sentido deste dia tão importante, Páscoa semanal, na qual celebramos a ressurreição do Senhor, sua vitória sobre a morte e causa de nossa vida.

É controvertida a origem do domingo cristão. Uma das teses mais aceitas e mais fundadas é a seguinte: os primeiros cristãos reuniam-se para a Eucaristia no domingo ao anoitecer (cf. At 20,7; Plínio, o Jovem, Ep. X,96,7), em continuidade com as aparições de Cristo na tarde da Páscoa (cf. Jo 20,19) e no domingo sucessivo (cf. Jo 20,26)[1], em continuidade com as refeições que Cristo ressuscitado tomou com seus discípulos (cf. Lc 24,30.41-43; At 3,1,3s).

Inicialmente a Eucaristia dominical era celebrada no contexto de uma ceia completa (cf. 1Cor 11,25; Didaqué 10,1; Plínio, o Jovem, Ep. X,96,7), possuindo sobretudo um caráter escatológico: o Senhor ressuscitado aí estava presente, de modo que a celebração era já antegozo da sua Parusia.

Além desta ceia, ao que parece, já muito cedo, havia também uma celebração antes da aurora, testemunhada pela primeira vez por Plínio, o jovem. Tal celebração era relacionada com o batismo. Quando a celebração vespertina foi abolida pelas restrições do Império, os cristãos passaram a celebrar a Eucaristia somente na madrugada, antes da aurora. É esta a situação testemunhada por Justino na sua Apologia.

O Domingo era denominado de modo vário, exprimindo seu significado para os cristãos:

Dia do Senhor. O primeiro testemunho desta designação encontra-se em Ap 1,10. Dia do Senhor é uma fórmula análoga à Ceia do Senhor. O Domingo é o dia que recorda o Senhor, sobretudo porque nele se celebra a Ceia do Senhor. Todos os cristãos devem celebrá-lo participando da Sinaxe eucarística, ainda que correndo perigo de vida! O domingo era quase exclusivamente o único dia da celebração eucarística, de modo que não se concebia um sem o outro.

Oitavo Dia. Na semana de sete dias, o Oitavo é o dia sem fim, o dia escatológico, prenúncio do Dia eterno da Parusia. Assim, o Oitavo Dia transcende o tempo dos homens, transcende a semana e nos abre já um antegozo da eternidade. É, portanto, o Dia prometido pelos profetas, dia da plenitude do Espírito, da sua efusão sobre toda a carne. Portanto, dia do batismo.

Primeiro Dia. João fala em “primeiro dia depois do sábado” (Oushz oun oyiaz th hmera eceinh th mia sabbatwn…). Sábado que significa a antiga criação, a antiga aliança, agora superadas pela nova realidade do Ressuscitado! A tradição judaica já chamava este dia de primeiro dia, dia da criação da luz, dia do sol.

Aos poucos, iniciou-se a tendência de fazer do domingo um sábado cristão! Este passo foi efetivado depois que Constantino Magno, em 321, proclamou o domingo como dia de repouso obrigatório em todo o Império. É interessante que, entre os cristãos, inicialmente continuou-se a trabalhar (cf. S. Jerônimo, Ep. 108,20,3; Paládio, História Lausíaca 59,2; S. Bento, Regra, 48,22s). Infelizmente, procurou-se fundamentar e motivar o repouso dominical com o mandamento do sábado. Note-se que ainda hoje aprendemos erradamente no Catecismo que o segundo mandamento da Lei de Deus é guardar os domingos e festas! No século VI esta equiparação do domingo ao sábado já estava plenamente estabelecida. Antes de Constantino um tal passo não teria sido possível, seja porque não se conhecia um repouso dominical entre os cristãos, seja porque, sobretudo, os cristãos não consideravam mais o mandamento do repouso sabático semanal como obrigatório na Nova Aliança e, portanto, não tinha nada a ver com o domingo cristão.

Atualmente, seria melhor enfatizar a originária percepção do domingo como dia em que se celebra a Eucaristia pascal. O repouso, cujo significado ético-social não deve ser diminuído, foi ligado ao domingo não por querer de Deus, ou seja, não por instituição divina, mas por decreto imperial… Assim, repouso e domingo não têm, necessariamente que permanecer interligados para sempre! O que é necessário fazer os cristãos compreenderem novamente é que o domingo é, por excelência, o dia da Eucaristia: sem ela, não há domingo[2]: celebra-se o Dia do Senhor participando da Ceia do Senhor!

[1] Aliás, segundo bons exegetas, estas aparições joaninas, a cada oito dias, são já reflexo da práxis litúrgica eclesial, de celebrar o Ressuscitado no Oitavo Dia.

[2] O Concílio de Elvira, em 321, excluía da comunhão eclesial quem durante três domingos consecutivos se ausentasse da missa.

Por Dom Henrique Soares

ENCONTROS BÍBLICOS – SETEMBRO

Em comunhão com toda a Igreja no Brasil, o Vicariato Episcopal para Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio da Comissão Arquidiocesana de Publicações, disponibiliza o subsídio com os Encontros Bíblicos para o mês de setembro, em que celebramos o Mês da Bíblia. O roteiro está sendo disponibilizado pela internet, de modo gratuito.

Com o tema “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração”,  a publicação é uma excelente oportunidade para aprofundar as reflexões e cultivar a espiritualidade na companhia de seus familiares.

O Roteiro Bíblico tem por objetivo promover a espiritualidade, um resgate da centralidade da Palavra de Deus, como compromisso do Projeto de Evangelização “Proclamar a Palavra”.

Clique no arquivo abaixo, acesse seu exemplar digital e faça do seu lar um lugar de oração.

ORIENTAÇÕES PARA PARTICIPAÇÃO NA SANTA MISSA

  • Para participar da Santa Missa na Matriz e Comunidades de Fé da nossa Paróquia, é controlada a entrada das pessoas, permitindo-se apenas a quantidade máxima definida, obedecendo fielmente o critério das inscrições prévias (matriz na secretaria paroquial e comunidades com os coordenadores).
  • Para que nossa participação seja frutuosa, favor desligar os celulares ou deixá-los no modo silencioso.
  • Se você experimentou algum dos sintomas: calafrios, dor de garganta, falta de ar, febre (acima de 37,7ºC), coriza / nariz congestionado, perda de olfato, perda de paladar nas últimas 24 horas, POR FAVOR, FIQUE EM CASA!!!
  • Não temos a disposição banheiros e bebedouros… eles estão interditados para evitar transmissão do novo coronavírus.
  • Seguir as indicações da Equipe de Acolhida. O uso de máscara no interior da Igreja é obrigatório.
  • Higienizar as mãos com álcool gel.
  • Sente-se no local indicado pela Equipe de Acolhida permanecendo até o término da celebração.
  • Observar o distanciamento de 2 metros por pessoa.
  • Para a comunhão não é preciso sair do seu lugar. A Equipe de acolhida vai passar por entre os bancos borrifando álcool para higienização das mãos. O sinal que você vai comungar, é que estará de pé. Lembramos que a comunhão será entregue somente nas mãos.
  • Após a Santa Missa sair ordenadamente, com segurança e distanciamento, conforme orientação da Equipe de Acolhida. Na matriz a saída será somente pela porta central… Primeiro sairá a fileira de banco perto do ícone de Santa Rita e depois as demais fileiras de bancos. Nas comunidades, conforme orientação da coordenação.

    NA CARIDADE FRATERNA, NÃO FICAR NA FRENTE DA IGREJA CONVERSANDO… NÃO FOMENTAR AGLOMERAÇÃO DO LADO EXTERNO DO TEMPLO.
  • Durante as oferendas não acontece a coleta, que auxiliam na manutenção da vida comunitária. Sua oferta pode ser realizada ao término da celebração. Contamos com a generosidade de todos.
  • Nossa comunidade depende da sua generosidade e compromisso comunitário. Seja dizimista! Procure a secretaria paroquial e se informe.
  • AOS FIÉIS QUE FAZEM PARTE DO GRUPO DE RISCO, RECOMENDAMOS CONTINUAR A PARTICIPAR DA SANTA MISSA PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.